Cemitério de Campanha
Jayme Caetano Braun
Cemitério de campanha
Rebanho negro de cruzes
Onde à noite estranhas luzes
Fogoneiam tristemente
Até o próprio gado sente
No teu mistério profundo
Que és um pedaço de mundo
Noutro mundo diferente
Pouso certo dos humanos
Fim de calvário terreno
Onde o grande e o pequeno
Se irmanam num mundo só
E onde os suspiros de dó
De nada significam
Porque em ti os viventes ficam
Diluídos no mesmo pó
Até o ar que tu respiras
Morno, tristonho e pesado
Tem um cheiro de passado
Que foi e não volta mais
A tua voz, são os ais
Do vento choramingando
Eternamente rezando
Gauchescos funerais
Coroas, tocos de velas
De pavios enegrecidos
Que em terços mal concorridos
Foram-se queimando a meio
Cruzes de aspecto feio
De alguém que viveu penando
E depois de andar rolando
Retorna ao chão de onde veio
Mas que importa a diferença
Entre uma cruz falquejada
E a tumba marmorizada
De quem viveu na opulência?
Que importa a cruz da indigência
A quem já não vive mais
Se somos todos iguais
Depois que finda a existência?
Que importa a coroa fina
E a vela de esparmacete?
Se entre os varais do teu brete
Nada mais tem importância?
Um patrão, um peão de estância
Um doutor, uma donzela?
Tudo, tudo se nivela
Pela insignificância
Por isso quando me apeio
Num cemitério campeiro
Eu sempre rezo primeiro
Junto a cruz sem inscrição
Pois na cruz feita a facão
Que terra a dentro se some
Vejo os gaúchos sem nome
Que domaram este chão
E compreendo, cemitério
Que és a última parada
Na indevassável estrada
Que ao além mundo conduz
E aqueces na mesma luz
Aqueles que não tiveram
E aqueles que não quiseram
No seu jazigo uma cruz
E visito, de um por um
No silêncio triste e calmo
Desde a cruz de meio palmo
Ao mais rico mausoléu
Depois, botando o chapéu
Me afasto, pensando a esmo
Será que alguém fará o mesmo
Quando eu for tropear no céu?