Chimarrão e poesia

Jayme Caetano Braun Jayme Caetano Braun

O payador missioneiro
Sente o calor do braseiro
Batendo forte no rosto
E vai mastigando o gosto
Da velha infusão amarga,
Sentindo o peso da carga
Que algum ancestral comanda
Enquanto o mundo se agranda
E o coração se me alarga

Sempre a mesma liturgia
Do chimarrão do meu povo,
Há sempre um algo de novo
No clarear de um outro dia,
Parece que a geografia
Se transforma - de hora em hora
E o payador se apavora
Diante um mundo convulso
Sentindo o bárbaro impulso
De se mandar campo fora!

Muito antes da caverna
Eu penso - enquanto improviso,
Nos campos do paraíso
O patrão que nos governa,
Na sua sapiência eterna
E eterna sabedoria,
Deu o canto e a melodia
Para os pássaros e os ventos
Pra que fossem complementos
Do que chamamos poesia!

Por conseguinte - o Adão,
Já nasceu poeta inspirado,
Mesmo um tanto abarbarado
Por falta de erudição
E compôs um poema pagão
À sua rude maneira,
Para a sua companheira,
A mulher - poema beleza,
Inspirado - com certeza
Numa folha de parreira!

Os Menestréis - os Aedos,
Os Bardos - Os Rapsodos,
Poetas grandes - eles todos,
Manejando a voz e os dedos
Vão desvendando os segredos
Nas suas rudes andanças,
As violas em vez de lanças,
Harpas - flautas - bandolins,
Semeando pelos confins
As décimas e as romanzas!

Tanto os poetas orientais
Como os poetas do ocidente,
Cada qual uma vertente,
Todos eles mananciais,
Nos quatro pontos cardeais
Esparramando canções
E - no rastro das legiões
Do lusitano prefácio,
A última flor do lácio
Nos deu Luiz Vaz de Camões!

No Brasil continental
Chegaram as caravelas
E vieram junto com elas
As poesias - com Cabral,
Para um marco imemorial
Nestas florestas bravias
Perpetuando melodias
De imorredouro destaque:
Castro Alves e Bilac
E Antônio Gonçalves Dias!

Neste garrão de hemisfério
Quando a pátria amanhecia
Surgiu também a poesia
No costado do gaudério
Na pia do batistério
Das restingas e das flores
E a horda dos campeadores
Bárbara e analfabeta
Pariu o primeiro poeta
No canto dos payadores!

E foi ele - esse vaqueano
Do cenário primitivo,
Autor do poema nativo
Misto de pêlo e tutano,
De pampeiro - de minuano,
Repontando sonhos grandes;

Hidalgo - Ramiro - Hernández
El Viejo Pancho - Ascassubi
Mamando no mesmo ubre
Desde o Guaíba aos Andes!

Há uma grande variedade
De poetas no meu país,
Do mais variado matiz
Cheios de brasilidade,
De um Carlos Drummond de Andrade
Ao mais culto e ao mais fino,
Mas eu prefiro o Balbino,
Juca Ruivo e Aureliano,
Trançando de mano a mano
Com lonca de boi brasino

João Vargas - e o Vargas Neto
E o Amaro Juvenal,
Cada qual um manancial
Que ilustram qualquer dialeto,
Manuseando o alfabeto
No seu feitio mais austero,
Os discípulos de Homero
De alma grande e verso leve,
Desde sempre usando um "breve"
De ferrão de quero-quero!

Imagino enquanto escuto
Esse bárbaro lamento
Que a poesia é o som do vento
Que nunca pára um minuto,
Picumã vestiu de luto
A quincha do Santafé,
Mas nós sabemos porque é
Que o vento xucro não pára:
São suspiros da Jussara
Chamando o índio Sepé!

  1. Brasil Doente
  2. O Gaúcho
  3. Bochincho
  4. Cemitério de Campanha
  5. Payada do Ano Novo
  6. Payada do Safenado
  7. Amargo
  8. Natal Galponeiro
  9. Paisagens Perdidas
  10. Sem Diploma
View all Jayme Caetano Braun songs

Most popular topics in Jayme Caetano Braun songs

Related artists

  1. Xirú Missioneiro
    Xirú Missioneiro
  2. Noel Guarany
    Noel Guarany
  3. Lisandro Amaral
    Lisandro Amaral
  4. Pirisca Grecco
    Pirisca Grecco
  5. Mano Lima
    Mano Lima
  6. Wilson Paim
    Wilson Paim
  7. Joca Martins
    Joca Martins
  8. Pedro Ortaça
    Pedro Ortaça