Ecos do Ão
Lenine
Rebenta na Febem rebelião
Um vem com um refém e um facão
A mãe aflita grita logo: Não!
E gruda as mãos na grade do portão
Aqui no caos total do cu do mundo cão
Tal a pobreza, tal a podridão
Que assim nosso destino e direção
São um enigma, uma interrogação
Ecos do ão
E, se nos cabe apenas decepção
Colapso, lapso, rapto, corrupção?
E mais desgraça, mais degradação?
Concentração, má distribuição?
Então a nossa contribuição
Não é senão canção, consolação?
Não haverá então mais salvação?
Não, não, não, não, não
Ecos do ão
Pra transcender a densa dimensão
Da mágoa imensa então, somente então
Passar além da dor da condição
De inferno e céu nossa contradição
Nós temos que fazer com precisão
Entre projeto e sonho a distinção
Para sonhar enfim sem ilusão
O sonho luminoso da razão
Ecos do ão
E se nos cabe só humilhação
Impossibilidade de ascensão
Um sentimento de desilusão
E fantasias de compensação
E é só ruína, tudo em construção
E a vasta selva, só devastação
Não haverá então mais salvação?
Não, não, não, não, não
Ecos do ão
Porque não somos só intuição
Nem só pé-de-chinelo, pé no chão
Nós temos violência e perversão
Mas temos o talento e a invenção
Desejos de beleza em profusão
Ideias na cabeça, coração
A singeleza e a sofisticação
O choro, a bossa, o samba e o violão
Ecos do ão
Mas, se nós temos planos, e eles são
O fim da fome e da difamação
Por que não pô-los logo em ação?
Tal seja agora a inauguração
Da nova nossa civilização
Tão singular igual ao nosso ão
E sejam belos, livres, luminosos
Os nossos sonhos de nação
Ecos do ão
Ecos do ão