Milonga Dos Ancestrais
Pedro Ortaça
Afino as cordas do pinho
Nesta milonga campeira
Mais xucra que uma tronqueira
Curtida pelos baguais
Canto sangues ancestrais
De onde brotou o Rio Grande
Enquanto a alma comande
Meu canto não para mais
É a voz dos pais de meus pais
Que escuto por onde ande
Há guaranis cor de bronze
Do passado de onde venho
Raízes do antigo lenho
De onde brotou rama e flor
Há o sangue conquistador
De lusos e de espanhóis
Luzindo como faróis
Em nossa origem terrunha
Avoengas testemunhas
Timbradas de lua e sóis
Meu candeeiro é luz de ouro
O lunar do índio Sepé
Aquele que pôs de pé
As catedrais missioneiras
Venho de Pinto Bandeira
De Bento e de Canabarro
E se mais longe me esbarro
Venho de Borges do Canto
Do rancho que hoje levanto
Esteios, quinchas e barro
Meu bisavô levantou-se
De lança em punho enristada
Na sesmaria estirada
Nos quatro pontos cardeais
Foi bagual entre os baguais
Foi pedra em picos de serra
Plantou estância na terra
Regadas com seu suor
Na paz campeiro e pastor
E um tigre em tempos de guerra
Monto fletes que são crias
Das tropilhas chimarronas
Que eram senhoras e donas
Da terra quando em divisa
E meu passo quando pisa
Campos, flores e trevais
Vai pro rastro ancestrais
Que ergueram o mesmo repique
Os ranchos de pau a pique
E os sinos das catedrais
Venho de longe no tempo
Muito embora os tempos novos
Sou cria dos sete povos
Sou índio branco e mestiço
E talvez seja por isso
Que quando a noite se alonga
Sou urutau e araponga
João de barro e siriema
No sangue feito poema
De um bordonear de milonga