Nunca Mais Vendo Cavalos
Renato Jaguarão
Um dia eu vendi o meu cavalo
Foi num domingo, nessas voltas de rodeio
Eu garboso, bem faceiro
Vinha com o pingo à lo largo!
Me ofereceram um trago, e seguimo ali proseando
Logo vieram ofertando uns troco no meu picasso
Era lustroso o bagual!
Calmo como chirca em barranca!
Mansidão não há quem compra, disse um velho paisano
Largaram uns troco no pano
E de primeira eu refuguei
Depois logo pensei
Hão de cuidar do meu pingo; eu nunca fui de apego
O meu rancho é a solidão!
Ainda dei um xergão, e vendi o meu velho amigo
Quando voltava pras casa já meio curando trago
Fui lembrando das andança que fizemo pelo pago!
Lembrei até d'uma noite que se fomo numa barranca!
Por causa de uma potranca
O picasso enlouqueceu
Depois obedeceu, e voltou à compostura!
São coisas da criatura, da natureza do bicho
Eu sei bem como é isso
Comigo se assucedeu
Mas eu já tinha vendido, nada mais adiantava
A vida continuava. Quantos já venderam cavalos?
Uns bons, outros malos, mas é coisa da tradição
Depois pegamo outro potro, domamo, e mais um tá pronto
Prás lide de precisão
E assim se passaram os anos, e nunca mais vi o picasso
Mas ainda tinha lembrança, dessas festa campeira
Debaixo de uma figueira
Nós posamos prum retrato
Eu virado só em dente
Tamanha felicidade!
E ele bem alinhado, como o pescoço arrolhadado
Mostrando garbosidade
E o tempo foi passando, eu segui domando potros
Mas um deu pior que o outro
Nunca mais tirei pra laço!
Lembrava do meu picasso
Manso e bom de função
Trazia ele na mão, nunca me refugou!
Desde o dia que chegou, potranco, bem ajeitado
Se acostumou do meu lado, vivendo ali no galpão
A vida é cerca tombada
Quando se sente saudade, dói uma barbaridade!
O coração em segredo, às vezes, marca no peito
Qual roseta nas virilha
Não fica bem pra um farroupilha
Ter saudade de um cavalo
Que jeito se vai chorar, e são coisa de índio macho
Sentimento é um relaxo
Difícil de aquerenciar
Mas o tempo vem solito, não traz amadrinhador
Num da desses de inverno
Juntando geada no pala
Eu vinha nos corredor, pensando nas coisas da vida
Foi quando vi um cavalo, magro, ali atirado
Junto à cerca caída
Fui chegando mais pra perto, daquele couro jogado
Os olho, perdido e triste
Me perguntei
Qual existe gente mala nesses mundo
Pra atirar assim um crinudo
Pra morrer à própria sorte?
Pedi licença pra morte e me cheguei sem alarde
Eu não creio em divindade, mas o milagre aconteceu
Ali na beira da cerca, quando me olhou com tristeza
Na hora tive a certeza
Que aquele pingo era meu
Levei ele pro meu rancho tratei, curei os bichado
Dei bóia e fique do lado
Até ele melhorá!
Perdão, meu picasso amigo, agora ficas comigo
Não te vendo nunca mais
Por mim pouco importa
Se já não me serves pra lida
Aqui será tua vida
Até o dia de morrer
Talvez, não tenha perdão
Sofreste em outras mãos o que fiz naquele dia
Te vendi por alguns trocado
Um amigo não tem preço
O que fiz, foi judiaria
Nunca mais vendo cavalos