A História do Alicate

Vito Vito

É
Eu acho que é agora, aporta

Espírito criativo, se estiver me ouvindo
Seja muito bem-vindo de volta

Por favor fale comigo
Pois sinto que preciso disso
Mesmo sem saber o motivo

É como se eu me torturasse
E tentasse fugir
Mas acordasse sempre nessa mesma fase

Que diabos é o rap?
Que negócio é esse que me enlouquece
E é desde moleque
Nem que eu quisesse esquecer o verso
Ele ainda não me esquece

Nunca adormece
Mesmo que eu faça umas prece
Parece que essa merda sempre aparece

De uma forma aleatória e improvável
Do nada
Num momento inimaginável

E eu fico me perguntando por quê
Tentando entender
Será que eu realmente deveria fazer?
Será que eu consigo?
Será que eu sustento?

É tanto tormento que nem sei se aguento
É tanto questionamento, perturbação
Eu juro que quero prestar atenção e seguir a missão
Aprender a lição e não cair em tentação
Parar de falar em vão em quase toda ocasião

Só quero desacelerar esse turbilhão
E serenar o coração
E eu acho que o meu problema é encontrar minha função

Qual é a minha habilidade?
Aonde será que eu posso ter alguma utilidade de verdade?

Eu só quero sentir aquela sensação boa de contribuir

Quando eu desisti de me aventurar nisso aqui
Eu prometi que não ia mais viver assim
Que isso não era pra mim

E eu fui por aí procurar decifrar quem eu vi
Que mora aqui dentro vai fazer 30 ano
E até hoje eu não descobri
Eu já falei pra ele sair

Menino, vai curtir, você tem que se divertir

Mas ele insiste em ficar
Então se permanecer a gente vai ter que evoluir

Tá na hora de parar de ficar com raiva dos outro
Sempre arrumando alguém pra culpar
Tá na hora de assumir a responsabilidade pelos meus atos
E reconhecer que eu é quem fui fraco

E eu tô cansado de mudar
De escola
De bairro
De número
De celular

Eu não quero mais me afastar
Eu quero aceitar quem eu sou
E quais os pontos que necessito lapidar

Alguns eu já até consigo citar
O primeiro é essa minha compulsão por falar
Bla-bla-bla, é pra lá, é pra cá
Não dá pra controlar
Então me resta tentar filtrar e selecionar melhor as palavras que eu vou expressar

Ou então fazer coisas tipo nadar
Que além de me fazer treinar
Que além de ser uma meditação em movimento pra acalmar
Se eu abrir a boca na hora errada vai entrar água e eu vou me afogar
Então me faz concentrar
É questão de adaptar

Trocar o pneu com o veículo andando
Porquê eu não vou estacionar

O segundo ponto é deixar de me cobrar
Me julgar
Me preocupar
Com coisas ruins que outras pessoas podem pensar

Essa é difícil demais porque envolve vaidade
Perda de autenticidade, autossabotagem

Eu fico tentando ser legal
Pra ser aceito pelos irmão
Às vezes perco até a coragem de dar minha opinião

Às vezes minto
Às vezes mudo minha opinião

Eu mal consigo dizer não
Isso é tão bosta ainda é minha situação

Eu tô tentando praticar
Lembrar
Que ninguém se importa tanto
Então não preciso impressionar

E falando sobre se relacionar
Outra dificuldade que eu tenho é firmar
Continuar
Aprofundar raízes
Deixar que a essência entre
Geralmente eu começo como nunca
E termino como sempre

Aquela presença que chega chegando
E do nada sai

Eu reclamei da ausência dele a vida inteira
E fiz igual ao meu pai

Virei um artista mediano e estranho

Um oceano raso
De conhecimento amplo

Não me aprofundo em nada
Mas em tudo eu arranho

E quando me encanto não paro de pensar
Um assunto
Uma ideia
Meu cérebro não para de imaginar

Às vezes me faz cogitar
Será que eu vou surtar?
Eu só não tomo remédio porquê eu tenho medo de viciar

E esse é outro problema meu

Quando me apaixono
É à rodo
Quero a substância o tempo todo
Fodo o meu corpo
Eu acho que se acender outra bomba eu explodo

E eu não quero ser morto
Ainda mais por mim
Então eu tô tentando dar um fim

Já faz uns anos mas eu não me esqueço
Eu lembro o gosto e o cheiro
Até me arrepio os cabelo

Mas eu oro
E me fortaleço
E uso essa frase aqui igual um terço

Se eu tô bem eu não preciso
Se eu tô mal eu não mereço

É a lombra, parceiro
Comigo foi traiçoeiro
Tava bonito e ficou feio
Me pegou de jeito

Então contraditoriamente
Hoje eu cuido da saúde
Sem fumar nem beber
Enchendo o rabo de açúcar e fast food
Mas eu vou melhorar isso também
Equilíbrio não é andar um dia à zero
E no outro à cem
É andar sempre no bem

O foda é que eu sou perturbado mental
E às vezes fico em dúvida do que é o bem e o mal

Eu quero ser marginal
Depois policial federal
Qual é qual?

Se pá legal memo
É quem trabalha em escola ou hospital

Eu juro que tento ser normal
Domingo agora vai ter concurso
Mas, de novo
Eu caguei o pau

Eu sei que ninguém se arrepende do tempo que para pra estudar
Mas quando eu tô desinteressado
É foda de assimilar

Por isso eu me propus a voltar
Pra essa terapia
A caligrafia
Conversar comigo mesmo
É o que alivia

Eu tava debandando
Demandando
Tava à beira do colapso

Misturando o trauma
Com a ferrugem do tempo que não faço traço

Mas os maninhos me encorajaram a fazer
Disseram que eu tava mesmo precisando escrever

E eu disse que sim
Depois eu até me arrependi de anunciar
Que eu ia fazer isso aqui

De ontem pra hoje eu não dormi

Mandei mensagem tarde
Com insônia
E a mulher falou que eu tinha ido curtir

Mas eu tava sozin
Virando na cama doidin
E teve outra fita engraçada

No meio da madrugada
Peguei meu celular pra dar uma olhada
E tinha um free-style de um camarada
Um cara que trombei um dia, do nada
Gente fina
Servia na pizzaria
Me reconheceu e disse que também cantava
E pensava como eu
Aqueles encontros de Deus

Daí eu respondi e ele me ligou
E a inspiração bateu

Tá na hora de voltar a registrar minhas próprias discórdias

Nos últimos oito anos
Eu só rimei chacota em paródias
Mas me deu vontade de levar a sério essa parada
Valorizar a caminhada
Registar umas lembranças iradas

Será que eu vou emocionar meus parças?

Hoje tudo pode acontecer
Inclusive nada

É dia 13
Levantei disposto
Já lavei o rosto
E falei pra minha coroa, amoroso

Tô pra compor uns verso loco, por favor não sinta desgosto
Porquê, sinceramente, eu sinto que esse é meu caminho

Na sequência minha filha acordou
Falando do canto dos passarinhos
Parece mentira ou brincadeira
Mas a magia da vida é uma beleza

Eu sinto muito por já ter criticado
Deus é uma certeza
É a fortaleza
É a disciplina dos humildes
É a arquitetura genial e simples

São os fluídos e os timbres

Inclusive
Enquanto eu escrevia isso
Um arrepio eu tive
E uma vontade enorme de gritar que eu sou um homem livre

(Infelizmente não gritei, talvez daqui à pouco
Quando olhar pra esse texto e ver que terminei)

Por enquanto eu tenho mais umas palavras pra desabafar
Uns amigos fizeram algumas perguntas e eu falei que ia explicar

Me desculpem por demorar
Eu tava faxinando a carcaça e nem vi a década passar

Primeiramente: O que é o vinte sete?
Que me perguntam tanto
É o ddd do Espírito Santo
É o contato interurbano
E coincidentemente também é meu número de veterano
Tenente, combatente, insano
Salve pras todos os mano que entende o que eu tô falando
Foram bons anos

Mas, como de costume
Eu fui embora
Porquê já não tava mais aguentando

E passei um período na lombra
Surfei outras onda
Procurei outra sombra
Um abraço pra banca e pros mano que comanda no samba
Nós curtimos a pampa

Foram tantas andanças
Mas tantas
Que até hoje uma galera ama

Mas uma hora cansa
E novamente
Comecei a me sentir numa corda bamba
Já não tava mais conseguindo compor
Sem querer me expor
Sem querer o calor
Sem sentir mais o amor

E só o que sobrou foi maconha
Além da vergonha e do fedor

E a real memo é que se pá
Essa dor nunca curou

Enfim, o quê é o V?
É a primeira letra que a vida me fez aprender

Ok, o quê é o alicate?
É uma ferramenta
Ou um personagem

Ok, por quê parou de batalhar?
Porquê eu não quero duelar contra
Não quero enfrentar tentando ganhar

Ok, por quê você parou de gravar?
Porquê eu tava doente da mente
Tava tão deprimente o rolê com alguns companheiros
Que eu nem quero meus direitos
Comprei uma passagem só de ia e fui explorar

Passei uns meses congelando no Canadá
Botei a cabeça no lugar
Retornei mais forte e fui buscar
Outras conquistas pra desbravar

Meu hobbie é inovar

Ok, mas por quê você não tenta ser um rapper inovador, tio?
Porquê, como em qualquer lugar, o rap têm seus desafios
E alguns desses obstáculos me dão até calafrios

Eu me emocionei, vislumbrei
Quis os peixes e as onças
Pra me nutrir e curtir o desfrute

Mas eu descobri hienas, cobras e abutres
Vermes e pulgas
Surubas que usam, abusam
E sugam só pra que subam e sumam

Foi tipo aquela analogia do herói com a overdose
Ou aquela da eterna ambulante metamorfose

Eu sei que isso soa nerd e até ridículo
Mas por um momento
Eu brochei e fiquei carente de ídolos

Sem referência
Então minha arte se tornou
O paradoxo do vendedor
Eu tenho, mas acabou

E não dá pra explicar pro doutor
Só quem vai entender o sentimento
É quem já passou e chorou

Eu vi ladrão criticando ladrão
Fazendo apropriação sem pagar um tostão
É pior que prostituição

Fazendo competição com os amigo
Só copiando o flow e traduzindo os gringo

Achando que é lindo
Mas tá sempre oprimindo, mentindo
Falando merda sem sentido

Só quer estilo
Fingindo que tem significado
Mas é vazio e sem motivo

Achando que grana e fama são sinônimos de talento e dom

Na verdade, é só populismo de charlatão
Assediando as mina
Traindo as mina
Agredindo as mina
Que depois engravida, sofre e cria sozinha

E os cara ainda quer forçar, falar de
Loyalty
Mas por trás da farsa
É babaca e só enxerga
Royalty

É muito fácil pagar de machão
Esquecendo da tia preta, pobre que limpa o chão

Aparecendo pra fora
Desaparecendo de si
E eu também tô falando de mim

Já traí
Já fui parte disso aí
Por isso não quis mais colaborar

Eu não tenho certeza se acredito nem no quê eu falo
Imagina me comprometer com terceiros
E ainda ter que assinar
Eu não tô pra meter a postura marrenta nem me achar

É fácil falar que mete a porrada
Que mexe em arma
Que faz vinte barra

Difícil é construir o respeito nas área
Colar na quebrada com a rapaziada
Fazer um projeto social firmeza pra molecada

É muito massa ver a prosperidade tão almejada
Mas é paia ver a mente limitada à roupa de marca

Cita livros que não lê
Fazendo o ouvinte pensar que ele é menos inteligente, feliz, que você

Dizer que vive like a boss
Com suas Nike shops
Bebe white horse
Fuma firefox
Vendo strike force

Brincando de aposta, legal
Só que essa bosta toda me dá tédio

É um desserviço pros moleque do ensino médio
Que se ilude com aquilo
O raciocínio do tamanho de um mamilo
Quer virar o próximo investidor da bolsa de vacilo

Os cara não entende o peso de formar uma opinião
Saber que suas rimas influenciam uma multidão

Cada um faz o que quiser com a inflûencia
Só que o mundo pede consciência
Então pense nas consequências
Pense na sua oportunidade de fazer algo bom nessa comunidade

Representar a cidade
Vibrar a alma de brasília
Dinheiro é menos importante que o legado ou a própria família

Eu quero criar a minha filha dando o exemplo
Dentro de um lar de harmonia
Preservando o templo

Pavilhando junto a geografia da colônia
Pilotando do cerrado até à patagônia

Com fé no Cristo e sebo nas canela
Sabendo que a sorte nos acompanha
Mas sem confiar apenas nela

O progresso nasce da luta
Sabedoria não se passa
Você vai ter que provar a conduta

Viver não é relatável
As fotos e as rimas são só fragmentos desse destino indomável
Que já me levou à tantas aventuras

Ontem mesmo experimentei acupuntura pela primeira vez
Amei

Salve pros amigos do colégio
Da quadra
Das viagens
Das empresas que trampei
Dos projetos que participei

Salve pras damas que namorei
Desculpa se fracassei em algum momento
Me desesperei
Me distanciei

Já falei que sou mulambo
Pulo de galho em galho igual um orangotango cigano
Mas não é enganando nem trapaceando
Não é sacaneando

O papo reto eu mando
E parto pro próximo plano
Sempre vibrando e ralando

Nesses anos vendi camisa, boné
Fiz bico de frete, garçom, segurança, estagiário, monitor
Assistente administrativo
Fui PM, motorista de aplicativo
Hoje eu sou professor de autoescola

E até que tá sendo interessante
Habilitar o povo ajuda bastante
Ter adrenalina à todo instante

Salve pros meus alunos
Mil conselhos, músicas, fofocas

Não esquece de ir devagar
O lema é paz no trânsito, seus mothafocka
Se precisar encosta
Cola no brother

Eu tô no mesmo endereço que vocês
Sabem muito bem
Ali no finalzinho da w3

Às vezes de passeio em planaltina ou taguatinga
Com a mandinga e a ginga gringa
Junto dos cria
Sem toxina

Eles que me ensinam a ser um servidor pacificador
Versejador
Quase que um labrador

Com certa galhardia
Mas também com aquelas velhas piadinhas na rodinha
Fazendo gracinha em cada linha

Vivendo muito como um zé
Melhor do que tentar reinar e pagar de mané ou ficar de migué

Aqueles marmanjo que não amadurece e nunca mudou
Tem gente que prefere a janela
Eu prefiro o corredor

E meu passado todo errado me inspirou
Derrubou algumas vezes mas nós levantou
Pique vencedor
Que acordou
Em vez de continuar se culpando, se justificando
Apenas se transformou

Hoje eu sinto orgulho do maluco beleza
Sem malvadeza
Só na destreza
Lidando com o lobo, o cachorro e a ovelha

É nós na caneta
Em plena sexta-feira
Sem querer eu fiz uma prateleira

Um móvel não planejado
Que há muitos anos tava engasgado
E qual será o próximo passo?

Sinceramente, eu não sei

Eu não sei porquê escrevi
Muito menos porquê postei

Não é pensando em colher algum fruto desse negócio
Se eu quiser comprar uma moto eu me desdobro, faço um consórcio

Eu não tô vislumbrando um futuro pra esse produto
Eu tenho até preguiça de ir pro estúdio

Porquê se for só pra chapar, eu acho fútil
E se for pra profissionalizar, é muito estudo
Eu nem quero aprender aquilo tudo

Meu plug-in é meu crânio sujo

E se alguém quiser pegar essa aqui
Cantar em cima de um beat, ou um acústico
Eu nem vou ficar puto

É bom que edita
Posta no Spotify
E se pá ainda tira um lucro
E mostra pro mundo

Quem sabe daqui uns cem anos alguém se conecta
Pode ser que seja até eu mesmo reencarnado no meu bisneto vagabundo

  1. A História do Alicate
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