Homem Não Chora
Rolando Boldrin
Hoje aqui, oiando pra vancê, meu pai
Tô me alembrando quanto tempo faz
Que pela primeira vez na vida eu chorei
Não foi quando nasci pru que sei que vim berrando
E disso ninguém se alembra, não
Foi quando um dia eu caí e levei um trupicão
Era criança, me esfolei, a perna me doeu
Quis chorá, oiei pra vancê, que esperança
Vancê não correu pra do chão me alevanta
Só me oiô e me falô
Que isso, rapaz? Alevanta já daí
Homi não chora
Aquilo que vancê falô naquela hora calou bem fundo
Pru que vancê era o maió homi do mundo
Não sabia menti nem pra mim nem pra ninguém
O tempo foi passando, cresci também
Mas sempre me alembrando
Homi não chora
Foi o que vancê falou
O mundo foi me dando solavanco
Ia sentindo das pobreza os tranco
Vendo as tristeza vorteá nossa famía
E às vez as revorta que eu sentia era tanta
Que me vinha um nó cego na garganta
Uma vontade de gritá, berrá, chorá, mas qual
Tuas palavra, pai, não me saía dos ouvido
Homi não chora
Então, memo sentido eu tudo engolia
E segurava as lágrima que doía
E elas não caía, nem com tamanho de quarqué uma dor
Veio a guerra de 40 e eu tava lá
Um home feito, pronto pra defender o Brasil
Vancê e a mãe foram me acompanhar pra despedi
A mãe, coitada, quando me abraçô, chorô de saluçá
Mas, nóis dois, não
Nóis só se oiêmo, se abracêmo e adespedimos
Como dois Homi, sem chorá nem um pingo
Ah! Como me alembro bem, era um dia de domingo
Também quem pode se esquecê daquele tempo ingrato
Fui pra guerra, briguei, berrei feito um cachorro do mato
A guerra é coisa que martrata
Fiquei ferido, com sôdade de vancês, escrevi carta
Sonhei, quase me desesperei
Mas chorá memo que era bão nunca chorei
Pruque eu sempre me alembrava
Daquilo que meu pai me ensinô
- Homi não chora
Agora, vendo vancê aí desse jeito, quieto, sem fala
Inté com a barbinha rala, pru que não teve tempo de fazer
Todo mundo im vorta, oiando e chorando pru vancê
Eu quero me alembrá, quero segurá, quero maginar
Que nóis dois sempre cumbinemo de homi não chorar
Quero maginá que um dia vancê vorta pra nossa casa pobre
E nóis vai podê de novo se vê ansim pra conversar
Então vem vindo um desespero que vai tomando conta
A dô de vê vancê ansim é tanta, é tanta, pai
Que me vorta aquele nó cego na garganta
E uma lágrima teimosa quase cai
Óio de novo prôs seus cabelo branco
E arguém me diz agora pra oiá pela úrtima vez
Que tá na hora de vancê embarcá
Passo a minha mão na sua testa que já tá, já tá sem pensamento
E a dô que tô sentindo aqui dentro vai aumentando
Aumentando, quase arrebentando os peito
E eu não vejo outro jeito senão me adescurpar
O sinhô pediu tanto pra móde eu não chorar
Home não chora
O sinhô cansô de me fala, mas, mas pai
Vendo o sinhô anssim indo simbora
Me adescurpe, mas tenho que, que chorar