Certas Coisas
Silvio Genro
Tem certas coisas na vida
Que deveriam ficar
Do jeito que sempre foram
O chalezinho valente
Varanda e jardim na frente
Cercado pela distância
Campo, chácara e pomar
-Querência em forma de lar
Onde morou minha infância!
O galpão de costaneira
O sotaque de fronteira
Os causos de antigamente
E pra amansar os invernos
Um fogo de chão eterno
Queimando n’alma da gente
Um cavalete encilhado
O laço enrodilhado
Qual cobra pronta pro bote!
Um bom cachorro lebreiro
E um petiço no sogueiro
Pra levar a vida ao trote
Tem certas coisas na gente
Que deveriam ficar
Do mesmo jeito, pra sempre
Meia quadra de campo
Povoada de pirilampos
Pra fazer um piá sonhar.
As amizades sinceras
E um punhado de quimeras
Que eu já não trago no olhar
O pátio de chão varrido
Os sabores conhecidos
Pão de forno, pastel frito
Colo de mãe, os amigos
E os arvoredos antigos
Sombreando um tempo bendito
As manhãs de campereadas
Berros de bois na invernada
E o clarim claro dos galos
Uma rês lambendo a cria
E o pago a escrever poesia
No rastro de seus cavalos!
Tem certas coisas na vida
Que deveriam ficar
Do jeito que sempre foram
Rapadurinhas de leite
Feitio das avós da gente
Sabores que não tem fim
E as laranjas maduras
Que o meu pai, com doçura
As descascava pra mim
A voz mansa do mascate
Que transformava em arte
A sina dos vendilhões
E em meio a chitas e extratos
Vendia a preço barato
As mais caras ilusões
A prosa das lavadeiras
As rezas das benzedeiras
Mescla de fé e inocência
O aboio dos tropeiros
O canto do João Barreiro
E todos os sons da querência!
Tem certas coisas na gente
Que deveriam ficar
Do mesmo jeito, pra sempre